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Ativistas contam com o apoio do MP-RO contra o anti ambientalismo da política de Rondônia

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Na primeira semana de setembro, a capital rondoniense de Porto Velho tem ruas cheias de pessoas pulando com bandeiras, santinhos e camisas estampadas. Rostos de candidatos e seus números estão adesivados em carros e paredes. A eleição municipal já é derradeira e, por cima da cabeça dos foliões da política, há outra visão: um céu cinzento pelas chuvas que retornaram a cair na cidade. 

Esse tom familiar tem algo de diferente com aquele que escondeu o sol nesse canto da Amazônia nos últimos dois meses. Um que ao invés de limpar, na verdade escureceu a paisagem. Em grandes jornais como a Folha de São Paulo, as manchetes eram enfáticas: Porto Velho é a capital com a pior qualidade de ar do Brasil, chegando, em seu pior momento, aos 477,5 microgramas por metro cúbico do índice PM 2.5. 

O PM 2.5 nada mais é que a sigla para material particulado, proveniente das queimadas. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a média anual não pode passar dos 5 µg/m3 acumulados e, no dia 27 de agosto, essa medida já estava quase 95,5 vezes acima do recomendado. Porém, a água que cai parece lavar as lembranças da fumaça, mas não enche o Rio Madeira, que já alcançou os 25 cm na régua colocada pelo Serviço Geológico do Brasil (SGB) debaixo da ponte Rondon-Roosevelt. 

Voos foram cancelados pela névoa feita de mata carbonizada e barcos encalharam nas areias e pedrais expostos, mas esses fatos passam longe das propostas e da discussão eleitoral de Porto Velho e dos demais municípios de Rondônia, como foi apurado numa matéria do Jornal Nexo. Enquanto os candidatos fecham os olhos, outros permanecem bem atentos ao que acontece quando os empossados sentam em suas cadeiras de poder.

Na Ação Ecológica Guaporé (Ecoporé), o biólogo Paulo Bonavigo coordena o Programa Natureza e Comunidades, com foco no desenvolvimento agroecológico de povos tradicionais. Nos últimos meses, esteve ocupado com o monitoramento das áreas em que os projetos estão ativos, para evitar a incidência de queimadas de origem criminosa. No passado, a Ação já viu áreas indígenas onde haviam iniciativas de reflorestamento e plantio pegarem fogo e hoje, se esforçam para manter tudo em pé. Esse trabalho vem com um custo adicional, tanto de contingente quanto de tempo e ainda assim a situação não parece melhorar.

Bonavigo recebeu alguns relatos dos beneficiados dos projetos e listou os problemas enfrentados recentemente: fumaça espessa, fogo perto das casas e rios que secam cada vez mais. Muitas pessoas chegaram a pedir apoio para comprar comida, pois não conseguiam chegar na cidade de barco para obter mantimentos.

O biólogo Paulo Bonavigo já atuou como Coordenador da Coordenadoria de Unidades de Conservação do Estado de Rondônia pela Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (SEDAM)

Quando o Estado não atende essa população, as ONGs como a Ecoporé tentam fazer o que podem, mas a falta de recurso impede ações mais efetivas. Na política, se encontra tanto a influência quanto o dinheiro necessário para provocar mudanças com urgência, mas a pauta ambiental vem sendo posta de lado em Rondônia, quando não é atacada diretamente.

Ataque a unidades de conservação

Relembrado de uma entrevista que deu para O Eco em 2023, onde comentava sobre a incerteza na questão ambiental após as eleições de 2022, o biólogo avaliou a atuação do poder legislativo e executivo até o momento: “Minhas previsões de piora foram superadas. A partir desse novo legislativo, tivemos uma continuidade de ataques contra as unidades de conservação (UCs). Muitos deputados estão envolvidos com grandes empresários que se beneficiam com o desmatamento dessas áreas.”

Os ataques a que Bonavigo se refere são decisões as quais o Governo de Rondônia tentou extinguir áreas como o Parque Estadual (PES) Guajará Mirim em 2021, retirando 21 mil hectares através do projeto de Lei Complementar (PLC) 80/2020. O impacto foi quase imediato. Segundo os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), houve um salto no desmatamento no ano de 2021, que alcançou seu pico em 2022. 7.615 mil hectares foram transformados em pastagem devido ao avanço de invasões ilegais na região. Este evento está diretamente relacionado ao aumento expressivo dos focos de incêndio que atingiram o parque nesse ano. No mês de agosto, o Inpe registrou 341 focos de incêndio dentro da unidade, um contraste com o mesmo mês no ano anterior, que apresentou 72.

Apesar do cenário devastante, as perdas poderiam ter sido mais abrangentes se outros atores não tivessem intervido. Em menos de uma semana após a promulgação da lei, o Ministério Público do Estado de Rondônia (MPRO) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) e um tempo depois, tanto o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO) quanto o Supremo Tribunal de Justiça (STF) julgaram como procedente o pedido.

Essa medida anulou a lei, impedindo a regularização de terras dentro da área protegida. Nessa ação, a Ecoporé foi uma das diversas ONGs locais que atuaram fornecendo informações técnicas para ajudar com o caso. Além deles, a Kanindé – Associação de Defesa Etnoambientais e a Organização dos Povos Indígenas da Região de Guajará-Mirim – Oro Wari também participaram. 

O MP-RO continuou atuando no PES com operações para desocupar as áreas invadidas, denunciando investigados por desmatamento e recentemente promoveu ações de combate às queimadas dentro dos limites do parque, com as operações Temporã I e II em conjunto a Polícia Federal. Além disso, a partir da pressão do MP, o Governo de Rondônia expediu um decreto determinando a suspensão do fogo no dia 28 de agosto, um dia depois da maior concentração de PM 2.5 registrada na capital.

As ações conseguiram diminuir o desmatamento no PES e os focos de incêndio, mas o crime ambiental não desaparece devido a sua rentabilidade. Por exemplo, o mesmo PLC 80/2020 diminui também a Reserva Extrativista (RESEX) Jaci-Paraná, que perdeu 171 mil dos 196 mil hectares originais. Lá, a pecuária ilegal encontrou espaço para florescer no lugar das árvores durante os últimos 10 anos. No ano passado, a Procuradoria-Geral do Estado denunciou quatro frigoríficos pela comercialização de gado criado ilegalmente no interior da reserva. Uma delas é a JBS, multinacional da indústria alimentícia que, segundo a empresa, obteve um lucro de R$ 1,715 bilhão no 2º trimestre deste ano. 

Em setembro de 2024, dois desses frigoríficos autuados (Distriboi e Irmão Gonçalves) e três pessoas foram condenadas a retirar suas instalações do local e pagar uma indenização de R$ 4,2 milhões por invasão, dano ambiental, proveito econômico da área, entre outros. As reservas extrativistas, diferente das UCs de proteção integral, são de uso sustentado, ou seja, suas terras podem ser utilizadas desde que não comprometa seus recursos naturais completamente. O que aconteceu com a Resex Jaci-Paraná foi o contrário. A agricultura familiar instalada no local foi sendo expulsa enquanto os grileiros tomavam seus espaços de plantio e, atualmente, restam apenas 25% da vegetação. 

Omissão e endosso

O também biólogo e vice-presidente da Ecoporé, Marcelo Ferronato, já havia alertado sobre esses impactos no Amazônia Real em 2021. Não demorou muito para que o aviso se tornasse realidade. Para Ferronato, mesmo após a desintrusão dos criminosos, o passivo ambiental permanece, como as pastagens, que são alvos dos incêndios coordenados no período de estiagem.

Ele afirma ainda que, o movimento ideológico e político dentro do legislativo tem um reflexo muito intenso no campo, sendo uma ferramenta perigosa para justificar crimes: “Isso induz as pessoas a acreditarem erroneamente que, ao ocupar essas áreas, poderão tomar posse no futuro”. Além do enfraquecimento de UCs e RESEXs, o biólogo apontou que houve uma tentativa desde o primeiro mandato do atual governador Marcos Rocha (União), de redesenhar o mapa de Rondônia “a giz de cera”. Isso ocorreria através da atualização do Zoneamento Socioeconômico Ecológico do Estado (ZSEE-RO), que foi vetada pelo MP-RO após identificarem diversos riscos ambientais que a proposta possibilitava.

No projeto, as emendas dos deputados da Assembleia Legislativa permitiam mudar zonas do tipo 2, que possuem mais restrições para o uso agropecuário, modificando para zona 1, que é menos restrita. Eles buscavam deliberadamente favorecer terras já existentes de fazendeiros, sem considerar os estudos de impactos socioambientais. O novo zoneamento não foi para a frente, pois, segundo Ferronato, seria barrada por inconstitucionalidade se chegasse no TJ-RO ou no STF.

Como pôde ser observado pelos anos em que ocorreram, as medidas de enfraquecimento ambiental em Rondônia se intensificaram durante o discurso negacionista do Governo Bolsonaro. Por exemplo, no primeiro ano de seu mandato, 2019, as redes sociais foram tomadas pelas hashtags #PrayforRondônia, após imagens da fumaça na capital porto velhense circularem pela mídia.

A partir da legitimação por parte do Governo Federal, o ataque a projetos ambientais virou também um agregador de votos, como Ferronato explica: “Quando você olha os gráficos de desmatamento e queimada, durante os anos de eleições municipais há uma ocorrência maior desses delitos. A tendência é que, politicamente, se afrouxe a corda para não afetar os candidatos. Independente do espectro político, há uma redução nas verbas orçamentárias de órgãos fiscalizadores”.

Após a derrota do ex-presidente nas eleições de 2022, a pauta de desenvolvimento “acima de todos” ainda concentra seguidores nos gabinetes, mas o histórico mostra também que há uma mentalidade antiga dentro do Estado que permeia as decisões feitas atualmente. Com uma área urbana construída a partir de ramais de desmatamento durante a ditadura militar, Rondônia parece viver ainda na era do desastroso “milagre econômico”. 

O fantasma dos anos de chumbo teimam a aparecer também nas discussões da pavimentação da BR 319. A obra inacabada de Ernesto Geisel é usada como solução para o problema do escoamento de granéis sólidos durante a seca, pois o transporte aquaviário pelo Madeira se encontra quase paralisado.

Órgãos como o Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (CENSIPAM) fizeram previsões de uma seca ainda mais severa no segundo semestre de 2024, mas não houve um preparo suficiente para o momento. Agora, a situação provocada por um El Nino amplificado pelas mudanças climáticas, não só alimenta o fogo como impacta a economia que depende das águas. Apesar dos recordes de movimentação e produção de soja esse ano, os grãos correm o risco de apodrecer em silos, mesmo que tentem escoar pelas rodovias.

Ferronato é enfático: “É preciso que o setor do agronegócio esteja engajado também na conservação ambiental e que entenda o quanto que a natureza produz serviços ecossistêmicos essenciais para a própria produção agrícola. Não podemos aceitar que se produza hoje da mesma maneira que se produzia na década de 70-80.”, alerta Marcelo.

Retrocessos e avanços

Até o momento, o cenário parece apontar para a manutenção desses vícios antigos. Um exemplo recente é a Lei nº 521 de 2024, que restringe a concessão de incentivos fiscais a empresas que participem de acordos internacionais, como amoratória da soja, que impõem limites à expansão agrícola em áreas desmatadas. Para Ferronato, a lei revela a falta de compromisso do estado com o combate à crise climática e ambiental. “Rondônia parece estar fora do mundo. As empresas que vão se beneficiar são aquelas que não têm preocupação com a sustentabilidade”, lamenta.

Paralelamente, o estado rondoniense tenta embarcar em outros modelos de negócio mais ligados à sustentabilidade. Em 2009, a etnia Paiter Suruí, localizada no município de Cacoal, iniciou o primeiro projeto de Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD+) liderado por indígenas no mundo. 

O modelo permite pagar pelo carbono não emitido ou absorvido pela floresta. Os maiores compradores de créditos são empresas que querem compensar suas emissões, que vão desde o transporte até ao modelo de produção. Normalmente, os projetos são parcerias entre negócios e populações tradicionais. Parte do dinheiro arrecadado remunera essas comunidades para manter a vegetação intocada.

Segundo a pesquisadora e doutoranda em Geografia pelo Programa de Pós- Graduação em Geografia (PPGG) da Universidade Federal de Rondônia (Unir), Bárbara Elis Nascimento, há uma grande competição entre o valor da floresta em relação aos outros lucros de terra: “A soja e o gado tem um rendimento muito alto atrelado. Por enquanto, não há um retorno financeiro considerável pela conservação, mas os projetos de carbono são uma forma do mercado incentivar e valorizar a floresta de forma que se torne sustentável e lucrativa, para tentar equiparar as outras opções. Ninguém quer conservar uma área que está perdendo dinheiro. Se puder convertê-la em soja ou em gado, vai render muito mais.”

Em Rondônia, há atualmente dois projetos REDD+ em funcionamento e mais dois em implementação. O projeto dos Paiter Suruí sofreu problemas para evitar o desmatamento dentro do território e foi descontinuado em 2018. A comunidade está tentando retomar o projeto, com o apoio da Ecoporé, através de estudos de viabilidade. 

Bonavigo pondera que existem várias realidades possíveis para os REDD+, positivas e negativas: “Podemos entrar numa alçada de ‘quem está ganhando o dinheiro’. São projetos que podem melhorar a qualidade de vida das pessoas e as questões de organização social, como o acesso a energia elétrica e moradia. Ao mesmo tempo que podem ser perversas, quando empresas retêm o lucro e deixam as famílias das áreas passando necessidade”.

Pelo que Bárbara observa, o Governo de Rondônia aparenta ter interesse nos projetos de carbono e está bem à frente das discussões. Ela cita a participação na pauta sobre a criação do REDD+ jurisdicional, no qual o estado administra a iniciativa. Porém, há um conflito de interesses: “ O governo em si quer conservar devido às pressões internacionais, já que o estado se encontra no arco do desmatamento. Ao mesmo tempo, quem está governando pensa mais nas demandas locais”, explica a pesquisadora.

Redes de proteção e parceria com o MP-RO

Nesse embate entre exploração e preservação, os mais afetados são as populações do campo, algo que se reflete em violência. Recentemente, os dados do relatório da Comissão Pastoral da Terra mostram um aumento de 113% dos conflitos agrários em Rondônia no ano de 2023, que vem crescendo desde 2021.

A expulsão de agricultores familiares e a ocupação de grileiros revelam como o descaso político aprofunda a crise. Os ativistas que estão sempre dentro de territórios disputados, sentem também a tensão e o clima de desconfiança. Paulo relata que é comum esconder seu vínculo com a Ecoporé quando é abordado no interior, preferindo falar que é de algum órgão de fomento à agricultura para se proteger. 

As comunidades que são benfeciadas pelos projetos da organização também chegam com denúncias, e a depender da gravidade, elas são repassadas para órgãos competentes, como o MP-RO, parceiros de longa data da Ecoporé. Juntos, eles também fizeram parte da criação do Fundo de Reconstituição de Bens Lesados – FRBL, criado pela Lei Complementar n° 944, de 25 de abril de 2017.

Esse dispositivo possibilita que o recurso de multas dadas pelo Estado possam custear projetos que visam ressarcir a sociedade dos danos causados pelos infratores. Por meio do fundo, a Ecoporé conseguiu financiar o reflorestamento de áreas degradadas, como o projeto Águas do Pirarara, em Cacoal. Em um ano, a plantação de mudas e distribuição de sementes melhorou a disponibilidade do recurso hídrico da região. Entre os 32 agricultores beneficiados, Arildo Ferreira, segundo lugar na categoria canéfora da premiação Coffee of The Year de 2023, atribuiu ao projeto como um dos responsáveis pela qualidade de seu café.

A Ecoporé ajudou a reflorestar 33,62 hectares com o projeto

Sendo assim, a independência dos três poderes, tanto do Ministério Público Estadual, quanto das ONGs, possibilita que o interesse das populações tradicionais ganhe representação para além da política. Contudo, esse jogo de forças não deveria existir. A energia desperdiçada para barrar a extinção poderia ser utilizada para outros objetivos. É necessário que haja um compromisso mais amplo do Governo  de Rondônia para pensar num desenvolvimento sustentável, para além do avanço predatório da economia agropecuária.

Enquanto isso, as eleições municipais, realizadas no dia 6 de setembro, elegeram candidatos com pautas vazias das preocupações que assolaram Rondônia por quase 3 meses.  Se estabelece então, uma apatia, quando a população entende que não há como mudar esse cenário e logo não cria conscientização em curto ou longo prazo.

Agora, a capital portovelhense se aproxima de um segundo turno para a prefeitura, mas o resultado para a câmara de vereadores é desafiante para o futuro: “Ano que vem vai estar tudo normal. Talvez não seja tão seco, mas até os ecossistemas tentarem se restabelecer, pode demorar muito ou não irão retornar como eram antes. Vai virar uma nova normalidade e as pessoas vão viver o que tem para viver, infelizmente”, avalia Paulo.

Texto: Guilherme Belém e Raíssa Ramos

Fotos: Guilherme Belém

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