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INFÂNCIA PROTEGIDA: Uma responsabilidade coletiva

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Em meio às transformações sociais contemporâneas, um tema permanece como desafio urgente para qualquer sociedade que se pretenda justa: a proteção integral da infância.

À medida que nos aproximamos do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, celebrado em 18 de maio, renova-se o compromisso com a preservação de vidas.

A escolha desta data não é casual. Remonta ao brutal crime que vitimou Araceli Cabrera Crespo, uma menina de apenas oito anos, assassinada em 1973 após sofrer violência sexual.

Quase cinco décadas depois, as estatísticas continuam alarmantes: de acordo com dados do Disque 100, uma denúncia de violência sexual infantil é registrada a cada hora no Brasil.

A maior parte desses casos ocorre no ambiente doméstico, perpetrada por pessoas próximas à vítima, o que amplifica o desafio da identificação e intervenção precoce.

O fenômeno da violência sexual contra crianças e adolescentes revela-se multifacetado. Perpassa desde o abuso direto até formas de exploração comercial, incluindo a prostituição forçada e a pornografia infantil.

Com o advento das tecnologias digitais, novos desafios se impõem de maneira acelerada. A profusão de redes sociais criou territórios virtuais onde predadores podem operar, utilizando técnicas de grooming (aliciamento online) para ganhar a confiança de crianças e adolescentes. O cyberbullying, por vezes entrelaçado à exposição sexual, fragiliza ainda mais potenciais vítimas.

Recentemente, o uso de inteligências artificiais para criação de conteúdo sexual falso (deepfakes) representa uma fronteira preocupante deste fenômeno, conforme apontam relatórios da SaferNet Brasil.

A sociologia da sexualidade infantojuvenil revela como a infância foi historicamente construída e reconstruída em diferentes períodos e contextos sociais. O que testemunhamos hoje é uma complexa intersecção entre estruturas sociais tradicionais e novas tecnologias que potencializam riscos.

O corpo infantojuvenil, inserido em uma sociedade com valores contraditórios, encontra-se em situação de vulnerabilidade. Esta contradição expõe a fragilidade dos mecanismos de proteção frente a estruturas sociais que ainda não desenvolveram respostas adequadas aos novos desafios tecnológicos.

É preciso reconhecer que o silêncio e a invisibilidade que ainda cercam essa violência estão enraizados em construções sociais complexas: relações de poder desiguais, cultura patriarcal e adultocentrismo.

As consequências para as vítimas podem ser significativas, manifestando-se em traumas psicológicos que podem comprometer o desenvolvimento.

O enfrentamento desse problema exige uma abordagem sistêmica. A articulação entre família, escola, serviços de saúde e assistência social constitui a base de uma rede de proteção efetiva.

O papel da educação sexual adequada à idade, baseada em evidências científicas, mostra-se fundamental como ferramenta preventiva, permitindo que crianças reconheçam situações de risco e desenvolvam autoconfiança para buscar ajuda.

Os avanços legislativos, como a Lei 13.431/2017, que estabelece o sistema de garantia de direitos da criança vítima ou testemunha de violência, representam conquistas importantes.

Contudo, sua implementação plena ainda encontra obstáculos estruturais, incluindo a necessidade de capacitação permanente dos profissionais envolvidos.

Enquanto sociedade, precisamos transcender o caráter meramente simbólico das campanhas anuais. A flor amarela – símbolo do movimento – deve florescer em ações concretas no cotidiano das instituições, nas políticas públicas e, sobretudo, nas relações que estabelecemos com nossas crianças e adolescentes.

A proteção da infância não constitui responsabilidade exclusiva do Estado ou de organismos especializados – é tarefa coletiva que nos interpela a todos. Denunciar, acolher sem julgamentos, acreditar na palavra da criança e garantir ambientes seguros são ações ao alcance de qualquer cidadão.

À medida que o país enfrenta múltiplas crises, não podemos permitir que a pauta da infância seja relegada a segundo plano. Afinal, a forma como tratamos nossas crianças hoje define o tipo de sociedade que construímos para o amanhã.

Para que cada criança brasileira possa crescer livre de violências, é preciso que façamos bonito não apenas em maio, mas todos os dias.

REFERÊNCIAS

ARIÈS, P. História social da criança e da família. 2. ed. Rio de Janeiro: LTC, 2017.

BRASIL. Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017. Estabelece o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 abr. 2017.

CASTELLS, M. A sociedade em rede. 22. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2019.

FINKELHOR, D. et al. Online Dangers: Keeping Children and Adolescents Safe. Child Development Perspectives, v. 14, n. 2, p. 128-133, 2020.

LANDINI, T. S. Horror, honra e direitos: violência sexual contra crianças e adolescentes no século XX. São Paulo: FAPESP, 2016.

LOWENKRON, L. O monstro contemporâneo: a construção social da pedofilia em múltiplos planos. Rio de Janeiro: UFRJ/Museu Nacional, 2015.

MINISTÉRIO DOS DIREITOS HUMANOS. Disque Direitos Humanos – Relatório 2023. Brasília: MDH, 2024.

SAFERNET BRASIL. Indicadores da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos. São Paulo: SaferNet, 2023.

SAFFIOTI, H. I. B. Gênero, patriarcado, violência. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2015.

UNICEF. A Familiar Face: Violence in the lives of children and adolescents. New York: UNICEF, 2022.

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