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Em defesa das pessoas com hepatites e das pessoas com câncer: pelo direito à privacidade e à não exclusão em concursos públicos

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A Universidade Federal de Rondônia abriu, em 01/04/2022, concurso para contratação de docentes efetivos, sendo oferecidas 25 (vinte e cinco vagas), consoante notícia institucional disponível em https://www.unir.br/index.php?pag=noticias&id=29842 .

O ato administrativo do certame foi instrumentalizado no Edital n. 3/GR/UNIR, publicado em 31/03/2022, edição 62, Seção 3, p. 78, do D.O.U., igualmente disponibilizada no sítio eletrônico da Universidade em https://processoseletivo.unir.br/uploads/certame/EDITAL_DOU_N__3_GR_UNIR__DE_30_DE_MARCO_DE_2022_32171059.pdf

Marque-se que as inscrições estão abertas e as provas terão início em 25/05/2022.

Feitas essas considerações, pondero sobre aspectos previstos no edital.

Há um caráter discriminatório negativo, preconceituoso e inconstitucional (pela sucedânea vedação de acesso ao cargo público para pessoas portadoras de Hepatites e/ou de Câncer).

Existem regras formalizadas no instrumento editalício que são inconstitucionais por imporem tratamento discriminatório e preconceituoso.

Cumpre indicar que os preconceitos institucionais e estruturais são perfilhados por camadas e mais camadas que o legitimam, em nome de “burocracias”, de “exigências” de outrem (atribuindo-se a alguma norma “impessoal” ou um “órgão de controle externo”) ou uma cultura organizacional ahistórica (“sempre foi assim”). 

Isso sugere claramente que não é o ato de um outro servidor ou gestor público que é o responsável direto e consciente pela discriminação, mas atos e fatos que se consolidam no tempo e que não são inquiridos criticamente pela sua arbitrariedade, abusividade e nem mesmo pelos equívocos que se materializam. 

Nem por isso, devem passar as práticas discriminatórias negativas sem um exame de constitucionalidade e de legalidade.

Passa-se às considerações.

No item “18.6.1”, ao estabelecer a exigência de “exames complementares” (de saúde), tem-se a imposição de exigência de exames que configuram esse caráter discriminatório e preconceituoso.

Esclarece-se, a exigência de hepatites virais (exame “Anti-HBS”), item II, i, por exemplo. 

Pontue-se que a exigência de exames de HIV já foram objeto de recomendação do Ministério Público Federal para a Força Aérea e mesmo para a própria Universidade Federal, opinando, há alguns anos atrás, pela ilegalidade de sua exigência (inclusas outros vírus, como sífilis). 

Oras, acaso as hepatites virais são distintas de outros vírus, como o da HIV/Aids? A discriminação de uma doença não é a mesma de outra?

No caso da exigência, ademais, tem-se a obrigatoriedade da exposição da condição da pessoa, o que é ilegal pela Lei 14.289, que faculta à pessoa o mais absoluto sigilo quanto aos dados pessoais. 

Outro aspecto que merece o destaque é a idêntica inconstitucionalidade que ataca também o gênero (mulheres), com a imposição de citologia oncótica (Papanicolau), item “l”, e, igualmente para mulheres, a cobrança de mamografia, item “b”. 

Tratam-se de exames invasivos, caros, com resultados por vezes indetermnados e que atacam a condição biológica/social de mulheres. 

Por analogia, o concurso público está a exigir exames de detecção de câncer do trato urogenital masculino, como pênis ou testículos? Respondo: não. Desse modo, há sim um claro elemento de exclusão e de diferenciação pela condição de mulher. 

Não menos, exclusão por existência de cânceres é abusiva e inconstitucional. Essa regra, não menos, afronta a vedação de discriminação do Estatuto da Pessoa com Câncer

O tratamento dispensado a essas pessoas, portadoras de Hepatites virais coloca em xeque fundamentos e direitos constitucionais.

Aqui, se impõe um tratamento desrespeitoso, de não-conhecimento, ao passo que o mandamento do Estado Democrático é de acessibilidade, de inclusão e não-discriminação de grupo de pessoas em condições de múltiplas vulnerabilidades, ainda que em razão de condições adquiridas, temporárias ou não de enfermidades.

Acaso, uma pessoa com Hepatite viral ou, in casu, mulheres com câncer não pode/poderá lecionar? Não poderá ser servidor/a público?

Está se assumindo descaradamente tratamento que infringe a igualdade? 

São menos cidadãos aqueles com testes positivos, a despeito do estadiamento da doença? 

São menos titulares de direitos fundamentais de acesso ao cargo público?

Trata-se de estigmatização absurda, fazendo uma conexão com a doença com a incapacidade para o trabalho. 

Aduzir que mera exigência do exame para o certame ou para a posse não importa em exclusão do concurso é uma falácia: na prática, é o que ocorre, com a rejeição do postulante pela junta médica. 

Tem-se, portanto, regra editalícia que ataca de modo frontal o próprio esteio da dignidade humana.

A discriminação negativa direta aqui apontada precisa ser rechaçada claramente. Este (e outros) concursos públicos não podem ser utilizados com exigências que atinjam a intimidade e a privacidade de indivíduos-cidadãos. 

Tampouco, há que se aceitar normas (legais ou estabelecidas por editais) que fomentem a desigualdade.

Que façamos vivos os preceitos dos pactos de defesa da dignidade humana: assegurar a máxima proteção e maior eficácia contra qualquer discriminação.

Vinicius Valentin Raduan Miguel, é professor da Universidade Federal de Rondônia. Doutor em Ciência Política (UFRGS).

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