Política
PEC da Bandidagem, vergonha brasileira “por Vicente Nunes’’

A Câmara dos Deputados do Brasil, que tem na presidência um fragilizado Hugo Motta, aprovou, em dois turnos, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que torna os parlamentares imunes a qualquer processo penal, mesmo tendo eles cometido crimes gravíssimos durante o mandato. A PEC da Blindagem, ou PEC da Bandidagem, como vem sendo chamada pela população mais esclarecida, é uma resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que tem autorizado uma série de investigações contra deputados e senadores suspeitos de surrupiarem dinheiro público por meio de emendas parlamentares, que, neste ano, somam mais de R$ 50 bilhões ou 8,3 bilhões (mil milhões) de euros.
O texto, com apenas cinco parágrafos, foi aprovado na quarta-feira (17/09) sem qualquer debate público. Da forma como foi escrita, a PEC da Bandidagem pode parar processos em andamento por todo o país, inclusive aqueles envolvendo deputados estaduais e presidentes de partidos políticos. Uma farra. Caso o Senado Federal sancione esse retrocesso, o Supremo Tribunal Federal será obrigado a pedir licença prévia para processar criminalmente deputados e senadores. Essa regra vigorou entre 1988 e 2001 e consolidou no Brasil um período vergonhoso de impunidade.
Detalhe: quando o Supremo pedir licença ao Congresso para processar um parlamentar, a decisão virá por meio do voto secreto. Ou seja, deputados e senadores estarão protegidos pelo sigilo do voto para impedir que criminosos sejam investigados e condenados. É um escárnio, pois o Brasil passará a ter dois sistemas jurídicos: um, bastante rigoroso, para a população em geral, outro, em que impera a impunidade, para deputados e senadores.
A falta de vergonha dos parlamentares brasileiros, que foram eleitos pelo voto popular para trabalhar em prol de todos os cidadãos, é tamanha, que, não bastasse a PEC da Bandidagem, eles estão trabalhando pesado para anistiar todos os envolvidos na tentativa de golpe de Estado em 8 de janeiro de 2023, sendo que o alvo principal é o ex-presidente Jair Bolsonaro, condenado a 27 anos e três meses de prisão pelo STF por cinco crimes. Não custa lembrar que o Congresso Nacional foi invadido e depredado pelos golpistas naquele fatídico dia.
Hugo Motta foi colocado estrategicamente na Presidência da Câmara dos Deputados pelo antecessor dele, Arthur Lira, um dos líderes do Centrão, que reúne os partidos mais fisiológicos do Brasil. É Lira quem está por trás de todos os retrocessos que se vê em Brasília. Aliados dele têm sido alvos da Polícia Federal, acusados de malversação do dinheiro público proveniente das emendas parlamentares.
Ele e os aliados sabem, porém, que, ao transformar o Congresso Nacional em um paraíso para bandidos protegidos por um mandato, estarão escancarando as portas para integrantes do crime organizado — leia-se Primeiro Comando da Capital (PCC) e Comando Vermelho — se candidatarem e conquistarem vagas no coração da República, nas Casas responsáveis por fazerem a legislação brasileira.
Por lei, não há como o presidente Luís Inácio Lula da Silva vetar uma Proposta de Emenda à Constituição aprovada pelo Congresso. A PEC é promulgada pelos próprios parlamentares. Resta, portanto, um fio de esperança de que o Senado barre a aberração da PEC da Bandidagem. Ou a maioria dos senadores mostra que o Brasil ainda merece respeito, ou a criminalidade estará institucionalizada, com o Congresso sendo a representação máxima do descompromisso com a Justiça e a população. Sinceramente, o Brasil não merece isso.
Fonte: Metrópoles
